O uso irregular do clonazepam, conhecido comercialmente como Rivotril, tem provocado uma dependência silenciosa entre os idosos e ligado um alerta na comunidade científica.

Atualmente, o clonazepam é o calmante mais vendido no Brasil.

Cerca de 2 milhões de pessoas acima de 60 anos fazendo uso desse medicamento.

Somente em 2024, foram vendidas 39 milhões de caixas do remédio, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Inicialmente indicado para epilepsia, crises de pânico, ansiedade e distúrbios do sono, o remédio é eficaz e de ação prolongada, mas é preciso tomar cuidado.

Isso porque o uso contínuo e sem supervisão tem levado a uma dependência generalizada.

“O efeito é rápido e eficaz, e é exatamente isso que o torna perigoso. O medicamento funciona — mas, equivocadamente, passa a ser tomado sem fim", alertou ao g1 o especialista em Medicina do Sono e professor da USP, Alan Eckeli.

Além disso, o medicamento — de baixo custo e fácil acesso — é frequentemente prescrito de forma inadequada e usado por anos sem acompanhamento, especialmente entre idosos.

Segundo especialistas ouvidos pelo g1, o problema começa muitas vezes quando a insônia é tratada apenas como sintoma, sem foco na causa.

Como o efeito do clonazepam pode durar por até 24 horas, tomá-lo de forma contínua pode trazer malefícios.

“No idoso, cujo metabolismo é mais lento, esse acúmulo aumenta o risco de confusão mental, quedas e dependência”, afirmou o médico geriatra Pedro Curiati.

A dependência se instala porque o organismo desenvolve tolerância — o que leva muitos a aumentar a dose por conta própria —, e o cérebro aprende a relaxar apenas com o remédio.

Ao tentar parar, a ansiedade e a insônia podem retornar de forma mais intensa (o chamado "efeito rebote").

Além disso, muitos idosos usam o calmante como uma "anestesia emocional" para lidar com a solidão, luto e falta de apoio, o que reforça o vício.

Especialistas são unânimes em afirmar que a interrupção do uso crônico nunca deve ser abrupta, exigindo um desmame lento e supervisionado.

Uma alternativa recomendada para problemas de insônia e ansiedade é a terapia cognitivo-comportamental (TCC), mas ela ainda é pouco acessível pelo SUS.

Paralelamente, mudanças de hábitos, como atividade física, evitar exposição a telas durante à noite e horários regulares para dormir, podem ajudar.

O geriatra Pedro Curiati, do Hospital Sírio-Libanês, explicou que a tristeza crônica em idosos pode ser confundida com a ansiedade, o que provoca a prescrição equivocada de calmantes.

“O tratamento adequado, além do diagnóstico médico, deve ser feito com antidepressivos — que não causam dependência — e, sempre que possível, com terapia cognitivo-comportamental e psicoterapia", elucidou.