Pedro Fernandes, ator da novela “Dona de mim”, não tem dúvidas: o teatro foi essencial para que ele aprendesse a conviver com a paralisia cerebral. Aos 33 anos, ele desafia estigmas e mostra que pessoas com deficiência podem ocupar qualquer espaço — inclusive o das artes dramáticas, com protagonismo e sensibilidade.
Natural de Petrópolis, Pedro tem paralisia cerebral com cognitivo preservado. Mora sozinho há dois anos na Lapa, no Centro do Rio, e leva uma vida independente. Frequenta bares do bairro, vai à praia e atua como palhaço no grupo Doutores da Alegria, que visita hospitais públicos levando humor e afeto.
Pedro interpreta Peter, um personagem que rompe barreiras e mostra que pessoas com deficiência podem sonhar e realizar. A novela, escrita por Rosane Svartman, marca um momento importante na dramaturgia brasileira ao incluir um ator PCD em um papel que não gira apenas em torno da deficiência.
Antes de "Dona de mim", Pedro atuou na peça "Meu corpo está aqui", em 2023. Rosane Svartman assistiu à montagem e ficou tão tocada que o convidou para integrar o elenco da novela. Foi o início de uma nova fase em sua carreira, agora na televisão aberta.
Pedro afirma que o teatro foi transformador. "Me deu autonomia sobre o meu corpo e um lugar no mundo", conta. A arte cênica lhe permitiu explorar sua expressão, entender seus limites e potencialidades, e se posicionar com mais segurança diante da sociedade.
Apesar do receio inicial, os pais de Pedro sempre o apoiaram. Quando ele estudava teatro no Rio e ainda morava em Petrópolis, seu pai o esperava correndo na Lagoa até o fim das aulas. Esse suporte familiar foi fundamental para sua formação artística e pessoal.
Pedro vive com autonomia na Lapa, um dos bairros mais boêmios do Rio. Entre gravações e compromissos, aproveita os bares locais e a proximidade com a praia. A vida urbana, apesar dos desafios de acessibilidade, é parte de sua construção como cidadão e artista.
Além da atuação na TV, Pedro é palhaço no grupo Doutores da Alegria e leva humor e leveza a pacientes e profissionais da saúde pelos hospitais afora. Essa atividade reforça seu compromisso com a arte como ferramenta de transformação social.
Pedro, aliás, denuncia a falta de infraestrutura para pessoas com deficiência no Rio. Calçadas irregulares, ônibus sem adaptação e condutores despreparados são barreiras constantes. Ele acredita que a educação é o caminho para superar essas limitações urbanas.
No Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Física, celebrado em 11 de outubro, Pedro se posicionou publicamente sobre a data. “É uma chance de fortalecer nossa luta e lembrar que nossos corpos existem”, disse. Para ele, a deficiência não é algo a ser superado, mas uma condição humana que merece respeito e inclusão.
O ator incentivou, ainda, outras pessoas com deficiência a não desistirem. “Nossa batalha é diária e fundamental para uma sociedade mais igualitária e menos capacitista”, afirma. Ele acredita que é possível contar histórias além da superação, com protagonismo e diversidade.
Pedro também explicou que sua condição foi causada por falta de oxigênio no parto, afetando a parte motora. Com ajuda, consegue ficar de pé e se movimentar com autonomia. E reconhece que tem uma estrutura privilegiada, com rede de apoio e recursos para assistência.
Segundo ele, a maioria dos espaços públicos não é pensada para corpos com deficiência. Ele aponta que muitos ônibus têm equipamentos quebrados ou motoristas que não sabem operá-los. E destaca que os locais precisam evoluir para serem mais inclusivos e acessíves.
Pedro enfrenta dois preconceitos: por ser PCD assim como LGBT: "Fui criado sabendo que é possível avançar", diz. Já ouviu de um professor que não servia para ser ator, mas superou essa visão limitada com coragem e talento. Hoje, é referência de resistência e representatividade.
O ator destaca que, por muito tempo, personagens PCDs eram interpretados por profissionais sem deficiência. Com o personagem Peter, abre-se um novo capítulo: corpos com deficiência ganham espaço real na ficção, mostrando que podem trabalhar, estudar, amar e viver plenamente.
Pedro relatou que o público está se educando. “Hoje, quando um fã me encontra, pergunta se pode me tocar ou abraçar. Antes, perguntavam ao meu acompanhante”, conta. Essa mudança revela um avanço na percepção e no respeito às pessoas com deficiência.
Além disso, ele é tratado como qualquer outro ator no set de “Dona de mim”. A equipe é sensível e participativa, sempre aberta ao diálogo. As cenas são adaptadas conforme necessário, mas sem perder a essência. A escuta ativa dos diretores e autores é um diferencial.
Na trama, Peter é um jovem que está descobrindo o mundo. Ele rompe com a superproteção do pai e se permite viver as dificuldades e prazeres da vida. Pedro acredita que esse processo de empoderamento é essencial para que o personagem se encontre por completo.
Sobre o romance entre Peter e Nina (Flora Camolese), o ator diz que ainda há muito por vir. Torce para que Peter se entregue ao amor e viva todas as possibilidades. A novela mostra que pessoas com deficiência também têm direito ao afeto e à paixão.
Pedro reforça que sua presença na novela ajuda a quebrar estereótipos. Ele não é retratado como alguém que precisa ser salvo, mas como um sujeito ativo, com desejos, conflitos e sonhos. Isso contribui para uma representação mais justa e plural.
Sua atuação em "Dona de mim" tem impacto direto na sociedade. Ele inspira outras pessoas com deficiência, promove debates sobre inclusão e mostra que o talento não tem barreiras: um exemplo de como a arte pode transformar realidades.
Pedro Fernandes é mais que um ator: é um símbolo de resistência, empatia e transformação. Com talento, coragem e sensibilidade, ele ocupa espaços que antes lhe foram negados. Sua história inspira, educa e emociona. E como ele mesmo diz: “O lugar do PCD é onde ele quiser”.