Sair de casa sempre foi visto como um dos marcos da vida adulta. Mas, nos últimos anos, o aumento do custo de vida e, principalmente, da moradia tem forçado muitos jovens a adiar esse passo ou até a voltar para o lar dos pais.

No Brasil, o impacto é claro: entre 2012 e 2022, o número de adultos de 25 a 34 anos que moram com os pais cresceu 137%, segundo levantamento da Kantar IBOPE Media. O fenômeno, apelidado de “geração canguru”, atinge principalmente famílias de maior renda.

Fora do país, a situação se repete. Na Europa, países como Portugal, Irlanda e Itália também registraram alta no número de adultos empregados vivendo com os pais. Nos Estados Unidos, quase metade dos pais já precisou abrir espaço para os filhos de volta ao lar.

Além disso, o Brasil é o segundo país com maior proporção de jovens que nem estudam, nem trabalham. Algo que recebe o famigerado apelido de "nem-nem".

Em relatório recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país só fica atrás da África do Sul.

A OCDE analisou dados referentes à população de 37 países sobre o perfil de jovens entre 18 e 24 anos. Nessa faixa etária da população brasileira, 36% não estudam e estão sem trabalho, formando o grupo chamado popularmente de nem-nem.

A África do Sul, recordista nesse índice negativo, tem 46,2% de jovens "nem-nem". Turquia, Colômbia e Costa Rica completam a relação dos cinco países com a maior proporção de jovens nessa situação.

De acordo com o relatório, esse estrato da população vive transição entre a vida estudantil e o ingresso no mercado de trabalho.

Não ter trabalho traz "consequências duradouras, especialmente quando a pessoa experiencia períodos longos de desemprego ou inatividade".

As razões para esse fenômeno variam de acordo com a renda familiar e a predominância é nas camadas mais pobres da população.

Camila Ikuta, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), disse ao UOL que nas camadas mais pobres o quadro atinge em maior grau as jovens mulheres.

"A maioria são jovens mulheres que tiveram que deixar de estudar e não trabalhavam para poder exercer tarefas domésticas, criar filhos ou cuidar de idosos ou outros familiares", destacou a socióloga.

Segundo a especialista, nas famílias de renda mais alta o perfil predomina em idades mais baixas, em geral no intervalo entre ensino médio e ingresso na universidade.

Em relatório recente, o IBGE afirma que na faixa dos 18 a 24 anos o ideal é que o jovem esteja cursando faculdade (desde que tenha feito a educação básica na idade adequada).

Levantamento da Subsecretária de Estatísticas e Estudos do Ministério do Trabalho aponta que os jovens entre 18 e 24 anos representam 55% da população desempregada do Brasil.

São 5,2 milhões de jovens sem emprego que fazem parte dessa faixa etária. O universo dos chamados "nem-nem" é de 7,1 milhões - 60% são mulheres com filhos pequenos.

E o percentual de pretos e pardos que estão no grupo dos "nem-nem" é de 68%. Os especialistas citam a pandemia de Covid-19 como fator que agravou o quadro.

Segundo artigo de técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o efeito da pandemia pode se prolongar até por décadas.

O crescimento da chamada geração canguru e o avanço dos índices de jovens "nem-nem" refletem um cenário de desafios estruturais que vão muito além das escolhas individuais.

Fatores como o alto custo de vida, o desemprego, a desigualdade social e a falta de políticas públicas efetivas para inclusão educacional e profissional contribuem para prolongar a dependência financeira e o adiamento da autonomia.

Especialistas alertam que essa realidade pode ter impactos duradouros na economia e no desenvolvimento social do país, com efeitos que atingem não apenas os jovens, mas também suas famílias e futuras gerações.

Enquanto soluções definitivas não surgem, milhões de brasileiros seguem tentando equilibrar sonhos de independência com as limitações impostas por um mercado de trabalho restrito e por um sistema de ensino ainda longe de ser plenamente acessível.