Após passar quase 15 anos preso, Francisco Mairlon Barros Aguiar teve a condenação anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta terça-feira, 14 de outubro.

Ele foi acusado de participar do “Crime da 113 Sul”, um dos casos mais chocantes da história policial de Brasília.

O tribunal reconheceu irregularidades no processo, ausência de provas materiais e confissões obtidas sob pressão, determinando a anulação total da ação penal.

O crime, que chocou o país em 2009, resultou no brutal assassinato a facadas do ex-ministro do TSE José Guilherme Villela, de sua esposa Maria Carvalho, e da empregada da família, Francisca Nascimento.

O nome "113 Sul" faz referência à quadra do apartamento onde a família morava, em uma área nobre de Brasília.

A decisão foi tomada pela 6ª Turma do STJ, que acolheu o pedido da ONG Innocence Project, dedicada à correção de erros judiciais.

A corte não apenas anulou a condenação, mas também encerrou a ação penal contra Mairlon desde a origem, retirando dele o status de condenado ou réu no processo.

A filha do casal, Adriana Villela, chegou a ser acusada de mandar matar os pais, mas sua condenação também foi anulada pelo STJ.

A advogada Dora Cavalcanti, que representa a ONG, afirmou que Mairlon foi “esquecido e invisibilizado” durante todo o processo.

Segundo a advogada, a confissão de Mairlon foi obtida após horas de interrogatório exaustivo, sem descanso, alimentação ou direito de defesa.

Os ministros do STJ foram unânimes em reverter a condenação, criticando a prática de se sentenciar réus com base apenas em informações preliminares da fase policial que não foram corroboradas judicialmente.

O ministro Rogerio Schietti Cruz classificou o caso como “gravíssimo”, denunciando o “uso de meios viciados de obtenção de provas” e a “obsessão da Justiça criminal brasileira pela confissão”.

"Não podemos aceitar mais que se leve alguém a julgamento pelo Tribunal do Júri com base tão somente em depoimentos colhidos em uma delegacia, não confirmados em juízo", ponderou.

Já Og Fernandes afirmou que os vídeos dos interrogatórios revelam “clara coação moral” sobre Mairlon e outros acusados.

A condenação de Mairlon se baseava principalmente em uma confissão feita na delegacia — nunca confirmada em tribunal — e em acusações do ex-porteiro Leonardo Campos Alves.

Em novembro de 2010, Leonardo foi preso em Montalvânia, Minas Gerais. Ele confessou o crime inicialmente alegando que o cometeu junto com o sobrinho Paulo Cardoso Santana apenas para roubar dólares e joias da família Villela.

Posteriormente, Leonardo mudou sua versão, afirmando ter sido contratado por Adriana Villela para simular um assalto e matar o casal e a empregada.

Nessa nova narrativa, disse que não subiu ao apartamento e atribuiu as facadas ao sobrinho e a um terceiro homem, que seria Mairlon.

Mairlon, que havia sido vizinho de Leonardo e Paulo em Goiás, foi preso em 2010.

Casado e com a esposa grávida, Mairlon confessou sob ameaça policial, segundo relatou depois, por medo de represálias à família.

Ao contrário de Leonardo e Paulo, não há provas materiais que liguem Mairlon ao crime — nem DNA, nem digitais, nem testemunhas.

Em 2024, após quase 14 anos preso, Paulo Santana retratou-se, afirmando ter sido torturado pela polícia e admitindo que mentiu ao acusar Mairlon, reconhecendo sua inocência.

Segundo ele, Mairlon “não teve nada a ver com o crime” e foi injustamente condenado. Essas revelações reforçaram o pedido que levou o STJ a anular a condenação de Mairlon em 2025.

O crime inspirou uma série documental no Globoplay, "Crime da 113 Sul", dividida em quatro episódios e lançada em fevereiro de 2025.