Aos 82 anos, o compositor e violonista Dori Caymmi lançou um novo trabalho, o álbum “Utopia”, pela gravadora Biscoito Fino. Ele aproveitou o momento para refletir, em tom duro, sobre o estado atual da música brasileira.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele declarou que a música do país atravessa “um momento de mau gosto e vazio artístico”, em que a busca pela fama se sobrepõe à criação.

“A música brasileira está doente. Virou uma coisa de ser famoso, de fazer sucesso. O sucesso normalmente vem com algo fácil de entender e cantar”, afirmou Dori.

Produzido por Jorge Helder, o novo álbum traz na capa uma arte feita por Dorival Caymmi, na qual Dori aparece com semblante sério - imagem que, segundo o músico, remete à figura do “tô de mal” da clássica “Marina”, famosa composição de seu pai.

“Toda a música que eu faço é utópica. Em um momento tão antimusical, meu disco não tem a menor possibilidade de uma divulgação decente”, reforçou Dori Caymmi.

Com mais de 60 anos de carreira, Dori Caymmi tem uma respeitada obra discográfica, composta por parcerias com nomes como Paulo César Pinheiro, Nelson Motta, Chico Buarque e até mesmo o escritor Jorge Amado, amigo de seu pai e com quem criou “Alegre Menina”.

A família Caymmi ocupa um lugar de destaque na história da música popular brasileira - com raízes profundas na Bahia, influências culturais diversas e uma herança que se estende por várias gerações.

Tudo começou com Dorival Caymmi, nascido em Salvador, em 1914, filho de pai italiano e mãe baiana de ascendência africana.

Autodidata no violão, Dorival começou a compor ainda jovem e logo levou para suas canções o universo que o cercava - o mar, os pescadores, as mulheres da praia, a religiosidade e a cadência da vida baiana.

No final dos anos 1930, ao se mudar para o Rio de Janeiro, ele levou consigo o som da Bahia e, em 1939, viu sua canção “O Que É Que a Baiana Tem?” tornar-se um marco da cultura popular ao ser interpretada por Carmen Miranda no filme “Banana da Terra”.

A partir daí, Dorival Caymmi firmou-se como um dos grandes nomes da música brasileira, reconhecido por sua simplicidade poética, pela força das melodias e pela autenticidade com que retratava o povo e os costumes de sua terra.

Suas composições, como “O Samba da Minha Terra”, “Você Já Foi à Bahia?”, “Marina”, “Saudade da Bahia”, entre outras, tornaram-se clássicos, revisitados por artistas de várias gerações.

A influência de Dorival ultrapassou sua própria obra e se consolidou com a formação de uma verdadeira dinastia musical.

Casado com a cantora e atriz Stella Maris, ele teve três filhos - Nana, Dori e Danilo -, todos músicos de grande relevância. Cada um seguiu seu próprio caminho artístico, mas sempre em diálogo com o legado do pai.

Nana Caymmi (1941 - 2025) destacou-se como uma das maiores intérpretes da MPB, dona de uma voz poderosa e de uma interpretação intensa de canções de compositores como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Milton Nascimento e, claro, do próprio pai Dorival.

Dori Caymmi trilhou uma trajetória mais introspectiva e sofisticada, como violonista, arranjador e compositor, aproximando-se de harmonias refinadas e de uma estética mais próxima do jazz.

Já Danilo Caymmi, flautista, cantor e compositor, herdou do pai o lirismo e a delicadeza, mantendo viva a sonoridade praieira que sempre caracterizou a família.

As obras dos Caymmi dialogam com diferentes períodos da música brasileira - do samba-canção à bossa nova, do regional ao erudito -, sempre mantendo como eixo central a valorização da cultura brasileira e o compromisso com a beleza melódica.

Três gerações de músicos mantêm o nome vivo, cada qual com sua identidade, mas unidos por uma herança que privilegia a harmonia, o lirismo e o respeito pela canção. De Dorival a seus filhos e, mais recentemente, aos netos que também se aventuram na música, como a cantora Alice Caymmi, filha de Danilo

A influência do clã ultrapassa o próprio sobrenome e se espalha por toda a música popular. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia e tantos outros artistas da chamada geração tropicalista reconheceram em Dorival Caymmi um mestre que abriu caminho para a expressão moderna da baianidade.