
Morreu no dia 17 de novembro, aos 82 anos, o cantor e compositor Jards Macalé, um dos nomes mais singulares e inquietos da música brasileira.
O artista estava internado em um hospital particular na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde tratava um enfisema pulmonar. Após uma cirurgia, ele sofreu uma parada cardíaca e não resistiu.
O comunicado oficial que anunciou sua morte destacou o espírito vibrante que acompanhou o artista até seus últimos dias. “Jards Macalé nos deixou hoje. Chegou a acordar de uma cirurgia cantando ‘Meu Nome é Gal’, com toda a energia e bom humor que sempre teve”, descreveu a publicação.
Nascido Jards Anet da Silva, em 3 de março de 1943, no bairro da Tijuca, zona norte do Rio. Dentro de casa, viveu sob intensa atmosfera musical. A mãe, Lígia, tocava piano e cantava modinhas, valsas e foxes, enquanto o pai dedilhava o acordeom.
Na juventude, Macalé mudou-se com a família para Ipanema. Lá, ganhou o apelido que carregaria por toda a vida - referência bem-humorada a um jogador de futebol do Botafogo.
A sua estreia profissional aconteceu em 1965, quando passou a integrar o Grupo Opinião como violonista. Pouco depois, assumiu a direção musical das primeiras apresentações de Maria Bethânia no Rio de Janeiro e teve composições registradas por nomes como Elizeth Cardoso e Nara Leão.
Em 1969, ganhou projeção nacional ao subir ao palco do IV Festival Internacional da Canção, da TV Globo, interpretando “Gothan City”. A apresentação se tornou um marco em sua trajetória, consolidando a canção como um de seus maiores sucessos - ao lado de “Vapor Barato”, composta em parceria com Waly Salomão.
Os primeiros álbuns de Jards Macalé ajudaram a consolidar sua reputação como um artista ousado e avesso a convenções. Seu disco de estreia, Jards Macalé (1972), trouxe uma sonoridade experimental que mesclava samba, rock, improviso e influências da vanguarda, marcando definitivamente seu estilo.
No anos seguintes, ele lançou álbuns cultuados pelos fãs como "Banquete dos Mendigos" (1972), “Aprender a Nadar” (1974), “Contrastes” (1977) e “Quatro Batutas e um Coringa” (1987).
A presença de Macalé também se estendeu para o cinema. Como ator e compositor, participou das trilhas de “Amuleto de Ogum” e “Tenda dos Milagres”, ambos dirigidos por Nelson Pereira dos Santos.
Seu trabalho ainda marcou filmes fundamentais do cinema brasileiro, como “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade; “O Dragão da Morte Contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha; e “Se Segura, Malandro!”, de Hugo Carvana.
Entre suas composições mais emblemáticas estão clássicos como “Vapor Barato”, “Anjo Exterminado”, “Mal Secreto”, “Movimento dos Barcos”, “Rua Real Grandeza” e “Hotel das Estrelas”.
“Vapor Barato”, composição que Macalé fez em parceria com o poeta baiano Waly Salomão, foi sucesso na voz de Gal Costa, no início dos anos 1970, e regravada em décadas mais recentes por nomes como Zeca Baleiro, Daniela Mercury, Marina Senna e o grupo O Rappa. Ela também faz parte da trilha sonora do filme “Terra Estrangeira”, de Daniela Thomas e Walter Salles.
Ao longo da carreira, Jards Macalé cultivou colaborações decisivas que ajudaram a moldar sua trajetória singular. Entre seus parceiros emblemáticos estiveram José Carlos Capinam, Waly Salomão, Torquato Neto e Naná Vasconcelos.
Macalé também fez trabalhos importantes com Gal Costa, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Caetano Veloso e outros artistas que, como ele, transitaram entre a tradição e a invenção, reforçando sua posição como figura fundamental da música brasileira.
Nos últimos anos de vida, Macalé segue bastante ativo na carreira. Seu álbum de 2019 foi indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de MPB e entrou na lista dos 25 melhores discos brasileiros do primeiro semestre daquele ano segundo a Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
Em 2023, o disco “Coração Bifurcado” foi escolhido pela mesma associação como um dos 50 melhores lançamentos do ano. Já no ano seguinte, “Mascarada: Zé Kéti”, disco em homenagem à obra do sambista ao lado de Sérgio Krakowski, também figurou entre os destaques da crítica.
Jards Macalé não teve filhos. Ele era casado com a cineasta Rejane Zilles há 14 anos.