A aguardada sétima temporada de "Black Mirror" chegou à Netflix e reacendeu o debate sobre os perigos da tecnologia.

Com seis novos episódios, a série britânica mais perturbadora da era digital segue firme em sua proposta de nos colocar frente a frente com o lado sombrio do nosso futuro — e, muitas vezes, do nosso presente.

Ao abordar temas como inteligência artificial, realidade simulada, manipulação emocional e vigilância, Black Mirror continua provocando reflexões profundas sobre os rumos que a sociedade vem tomando.

Criada por Charlie Brooker em 2011, a série ganhou destaque por sua estrutura antológica: cada episódio é uma história independente, com personagens e contextos diferentes.

Isso permite conhecer diversas realidades distópicas sem comprometer a continuidade. O nome Black Mirror - "espelho negro", em tradução literal - faz referência à tela desligada de celulares, TVs e computadores, que nos refletem e simbolizam a presença constante da tecnologia em nossas vidas.

Mais do que ficção científica, a série é uma crítica social disfarçada de entretenimento. Ela examina até onde estamos dispostos a ir em troca de conforto, status ou prazer, e o que estamos perdendo nesse processo.

O responsável por essa visão é o britânico Charlie Brooker, roteirista e jornalista com histórico de textos afiados sobre mídia e cultura. Antes de Black Mirror, ele já era conhecido por seu humor ácido e sua crítica à forma como a tecnologia e os meios de comunicação moldam nosso comportamento.

Em Black Mirror, Brooker canalizou essa inquietação em roteiros provocadores que mesclam sátira, drama e terror psicológico. Sua escrita é marcada por ironia, pessimismo lúcido e criatividade, criando universos verossímeis e inquietantes.

Mesmo com diferentes diretores e elencos, Brooker garante a identidade única da série, que permanece coerente em sua proposta de nos confrontar com as consequências da era digital.

Entre os destaques da série, "Bandersnatch" ocupa lugar especial. Lançado em 2018, o episódio/filme interativo inovou ao permitir que o espectador tomasse decisões que mudavam o rumo da história.

Nele, um jovem desenvolvedor tenta adaptar um livro de escolhas múltiplas para videogame, mas acaba perdendo o controle sobre a realidade - ou será o espectador quem perde? Bom lembrar que o episódio será removido do catálogo da Netflix, o que torna sua experiência ainda mais rara e colecionável.

Outra narrativa marcante é "USS Callister", que aparece em dois momentos: como episódio de estreia da quarta temporada e como final da sétima, tamanho o sucesso de sua primeira aparição.

Na primeira parte, acompanhamos um programador solitário que cria um universo digital inspirado em séries espaciais, onde replica seus colegas de trabalho para viver sua fantasia de poder absoluto. A crítica à masculinidade tóxica, ao escapismo e ao autoritarismo digital é poderosa.

Já em "USS Callister: Into Infinity", os avatares libertos do episódio anterior agora exploram novos mundos digitais, enfrentando dilemas éticos e existenciais. O arco "Callister" se destaca por unir estética de ficção científica clássica com uma narrativa sombria e profunda, sendo um dos mais elogiados da série.

Na estreia da primeira temporada, Black Mirror já deixava claro a que vinha. "The National Anthem" (S01E01) choca ao mostrar o primeiro-ministro britânico forçado a cometer um ato humilhante em rede nacional, expondo o poder das redes sociais e da opinião pública.

Em "Fifteen Million Merits" (S01E02), um mundo futurista baseado em meritocracia digital e reality shows revela o desespero por autenticidade em uma sociedade hipercontrolada.

"The Entire History of You" (S01E03) mergulha em um universo onde é possível rever todas as memórias, levantando questões sobre confiança, obsessão e privacidade.

A nova temporada mantém o nível de crítica e criatividade. Em "Common People" (S07E01), uma mulher acorda de um coma graças a uma tecnologia avançada que reativa sua consciência. Embora retorne à vida, percebe que perdeu momentos essenciais. O episódio reflete sobre os custos ocultos da medicina futurista.

Em "Bête Noire" (S07E02), uma crítica especializada em doces se vê forçada a trabalhar com uma antiga desafeta, reacendendo ressentimentos e disputas mal resolvidas. Ambientado num cenário aparentemente leve, o episódio expõe tensões emocionais com toques de humor ácido.

Já "Hotel Reverie" (S07E03) tem uma atriz em ascensão aceitando participar de uma nova tecnologia cinematográfica promissora. Mas o experimento a transforma de maneira imprevisível, confundindo sua identidade real com sua persona digital.

"Plaything" (S07E04) é sobre um jogo de computador altamente avançado que começa a interagir com um jogador solitário de forma inquietantemente profunda. À medida que a conversa evolui, o episódio se torna uma reflexão existencial sobre livre-arbítrio, consciência digital e o vazio da vida moderna

Em "Eulogy" (S07E05), um homem descobre uma forma de viajar no tempo revivendo momentos capturados em antigas fotografias. Uma história melancólica sobre nostalgia, perdas e a impossibilidade de mudar aquilo que já foi vivido.

"USS Callister: Into Infinity" (S07E06) é a continuação do icônico episódio da quarta temporada. O episódio acompanha os avatares digitais agora livres, conhecendo novas fronteiras no universo simulado, enquanto enfrentam dilemas morais e uma nova ameaça misteriosa.